27/06/2010

Pensamento [ trecho do meu segundo livro]

Raciocínio é a lógica dedutiva diante dos fatos. Pensamento é a visão subjetiva ( e às vezes abstrata) da realidade. O meu raciocínio não guia esse relato, pois não estou deduzindo nada - e muito menos usando a lógica. O que eu escrevo é pensamento tão puro, que o que eu digo é subjetivo. Mas o mesmo tempo tão genérico. O que eu escrevo é tão pensamento que se ,algo interromper o meu pensar, eu perco o que estou fazendo. Um pensamento perdido é uma pérola no Atlântico: um caos, só. Esse é um relato frágil, na corda bamba. Eu pesco o pensamento, outro dia volto para casa de anzol vazio. É tudo tão difuso. O pensamento só é visto através de um nevoeiro. O pensamento não pode ser visto diretamente: queima-se em glória. 
O pensamento pensa?
Acho que sim. Sempre tenho pensamentos na hora certa. Não tenho ninguém: tenho o pensamento. Às vezes ele me surpreende através do que eu escrevo, esta é a prova que meu pensamento fala por si mesmo. Escrever e pensar é brasa que consome a lenha aos poucos. A lenha no entanto é infinita, o crepitar é doloroso.
Nesse momento algo me inquieta: acho que vou parar de relatar. Isso não é uma biografia minha. Isso é: eu. Biografia é uma vida contada em ordem cronológica e coerente. O que escrevo é completamente diferente: o tempo é o meu aliado, não inimigo.
Oh,  sinto que me entrego ao diabólico com uma delicadeza angelical.. Por detrás daquilo que é diabólico há uma glória intangível. Não existe glória sem o diabólico.  Não há sinônimo sem antônimo nem significante sem significado. 
O pecado é o sangue em minhas veias.
Minha árvore genealógica é um filete de sangue escorrendo por todo o caule. Vejo um ponto minúsculo o chão. Esse ponto sou eu, esmiuçando a formação e o porquê das coisas. 
O por que da subjetividade?
Preciso aprender a me entregar a dignidade do silêncio, o melhor do segredo não se conta. O segredo é a descoberta individual do segredo. Cada trilha é única. Nenhum bandeirante poupou esforços num golpe de machado e facão para agredir e penetrar na floresta. É preciso desnudar a mata para que o meu corpo esguio possa passar. O sol queima, mas não tenho sombra: cortei as árvores para construir pontes para atravessar os rios. Pontes que me levaram ao - ao  nada. Que saudade das árvores, os Originais da Criação. Isso é a falsa transcendência, coisa que adequei à minha vida para que a vida infinita pudesse caber em meu invólucro limitado.
Devastei as matas - o neutro - em busca do ouro. Encontrei o ouro e enriqueci - mas enriqueci de quê?
Enriqueci de pobreza.
Enquanto eu permaneci intocado por mim mesmo eu estava cumprindo com o meu segredo. Quando me toquei o segredo desapareceu de minhas mãos: eu não era mais ingênuo, era malicioso. Malicioso, pois
comecei a usar o segredo para criar uma nova Falsa Transcendência, ascendendo aos limites da minha inconsciência, eu, o malicoso.
Mas eu sei que, se eu fechar as mãos com força dentro de um silêncio, eu consigo ouvir o barulho da minha criculação sistêmica. A vida em mim é insistente. Mas meu impessoal implora, implora - implora por um coágulo.
Que as matas renasçam para dentro dos meus vasos sanguíneos, na fertilidade morta dos meus tecidos. Que morte linda: morte por resurreição!
Oculto dentro de mim o sagrado mistério da criação: a transfiguração da matéria orgânica em matéria inorgânica e vice-versa. E outras vez caio nas águas do impessoa, águas que impulsionam essa transformação. Nesse momento estou entregue ao impessoal, a força tão primeira. Impessoal é o radar sensitivo, pura erosão eólica. Sim, neste momento estou em Graça. Não entendo o mistério, mas ele está dentro de mim e eu estou dentro. Sei que o que eu escrevo tem uma força delicada, tão delicada como a primeira molécula de matéria que pulsa. O impessoal manisfesta-se nas horas de transição: na transfiguração da matéria orgânica para matéria viva.
E na degradação da matéria viva, de volta as origens. Degradação.  Pois tudo o que é vivo passará pelo reverso ciclo do impessoal.
Degrada-se molécula por molécula da complexa aglomeração Orgânica, até que sobra o nada - só sobra o impessoal. 
Vou fugir, vou fugir. Talvez eu esteja enlouquecendo. Não, não estou: estou é penetrando no mistério da carne crua,proteínas, aminoácidos, química, ligações, a pré-história. Estou entrando na biblioteca do impessoal. Cada segundo é um segredo impessoal. Não estou sendo careta, nem quadrado: estou dando  César o que é de César. Somos o fruto vivo da fecunda mente do impessoal.
Sorrio. Plenitude que reina sobre mim, coroa de folhas secas, coroa de ciclo reverso.
Quando uma verdade mente para outra é o que chamamos de omissão?
Omissão é falsa transcendência. Não quero transcender, quero ceder. Ceder, pois ceder é herança do impessoal. O ciclo reverso me acompanha, não estou nunca só.
As ondas retrocedem: ciclo reverso. O colágeno foge: ciclo reverso.
A conexão do mundo me espanta, tudo está interligado. E eu pago um preço pela sagrada compreensão.
Às vezes preciso de limites, não sei me restringir. Gosto de fluir como leite que derrama, bolsa que arrebenta.
Eu me derramei, sêmen que jorra em busca da criação da vida. Eu petróleo negro, outro das trevas, fruto de milhares de séculos de matéria acumulada.
Só sei que, enquanto eu estiver vivo, continuarei me seguindo. Enquanto eu for orgânicamente coerente, desfrutarei de tudo o que é meu por direito. Já estou esquecendo do meu passado, oh, estou sim. Mas é do meu passado que construo a continuidade do meu raciocínio.
Sinto que já sei o que é o amor, ah, já faço uma ideia.
Tudo é questão do que passa e o que não passa. Eu passarei. O amor não passará. Este é um retrato escrito de um amor puro pelas letras e pela vida. Este retrato não passará, este retrato não tem fim.
Este retrato dá um forma a um amor puro, fio de um casulo.
Amor? Tique - pensameto - taque.
Amor é...

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